Vou tendo a sensação de que pensar sobre o que
é essencial, distancia-nos das essencialidades da vida, talvez porque seja
difícil definir e buscar tal definição, talvez porque restringir em palavras torne
tudo artificial ou superficial; talvez porque o que é essencial mesmo será
apenas sentido e não explicado... De toda forma, penso que o que é essencial
hoje para mim, nem passava pela minha cabeça nos anos incríveis da minha
infância e não sei se pautarei exatamente o mesmo no futuro. Neste momento,
definiria a essencialidade como tudo aquilo que vivemos e que fica, de alguma
forma, impregnado na gente, caracterizando-nos em gostos, cheiros, jeitos,
vistas da vida e de nós. Talvez a essencialidade não seja marcada apenas pelo
que é bom e positivo, mas é assim que a vejo nesta fase da vida; acho até que
chamaria de essencial tudo aquilo que quisesse eternizar e, por esta razão,
esta será a minha escolha: relatar um momento que vivi há pouco tempo para
eternizar, pois foi o desejo que senti naquele momento... Segurar com as minhas
mãos...
Era mais uma noite que se iniciava em minha
vida após um longo dia de trabalho, daqueles bem cansativos mesmo. Não tinha
nem conseguido jantar, saí do trabalho com as energias quase no fim, até um
pouco desanimada com o curso das coisas. Um pouco antes de chegar em casa, toca
meu celular e sou surpreendida pela voz de meu filho Teo de sete anos no outro
lado da linha. Perguntava onde eu estava e, de fato, estava chegando, a menos
de dois quilômetros de casa. Em seguida, ele me pergunta se eu desejava
contemplar a noite com ele e com a minha filha Sofia de cinco anos. Foi uma pergunta tão poética que não podia
perder a oportunidade de experimentar onde tudo isso daria, ele me informou que
já estava tudo pronto: esteira, livros e almofadas no quintal sob a linda lua
que se apresentava. Foi quando me dei conta de que a noite estava realmente
aconchegante, parecia uma noite quente de verão, mas era outono mesmo. Não
podia recusar, era o convite da minha vida. Morria de fome e cansaço, mas tudo
isso devia esperar.
Ao chegar em casa e perceber o cenário que
prepararam sem a ajuda de um adulto, meu querido companheiro e brilhante pai
estava desmaiado no sofá, fiquei entusiasmada no sentido literal da palavra: eu
sentia Deus dentro de mim... Ao deitar naquela esteira junto com aquelas
crianças, fui capaz de sentir uma sensação de plenitude tamanha que não pude
mensurar, desejei parar o tempo, sentir aquilo tudo para sempre; a lua e a
noite eram nossas, era um momento essencial de nossas vidas: contemplávamos a
noite, a vida que passava e a partilha do que éramos. Fui buscar um prato de
comida, descascamos e chupamos umas sete mexericas, conversamos e rimos muito à
luz do luar.
Sandra Bouças