terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Um soneto sobre o medo e outras considerações

Vem o polvo do medo 
- tentáculos espalhados,
que edifica em segredo
casas, muros, telhados.

De um bailar sedutor
que nos detém a mão,
paralisa, em torpor,
intentos do coração.

Tinta negra esparrama,
fétida cor que anoitece
o claro fulgor da chama.

O polvo insistente tece,
faz sua morada na cama
sob o jugo da prece.
_________
Perdi, faz tempo, a medida do medo saudável, aquele que nos protege de perigos iminentes. É tanto medo que minha pele dói ao toque, então cuido para não adoecer demais dele. O medo nunca me venceu na entrega e no amor, mas em todas as outras coisas e formas de sentir. Às vezes penso tanto... É o medo na cabeça. Noutras vezes meus pés afundam, paralisados, na areia movediça... É o medo que interrompe planos. As borboletas no estômago e alergias inúmeras... É o medo no corpo. Acordo e me olho no espelho: um mosaico de medos. Meu maior desejo já foi que o medo desaparecesse ou, ao menos, se revelasse com mais ternura. Hoje desejo que ele apenas se aninhe por menos tempo que antes. Isso já me basta e me traz conforto.


Daniela Bonafé

domingo, 2 de dezembro de 2018

O que sei sobre o medo.


- Mãe, qual foi seu primeiro medo – Perguntou meu Fran nestas conversas malucas que temos indo e vindo.
- Não lembro filho – respondi prontamente.
- E seu último medo – insistiu.
- Também não lembro filho – sem querer sugestioná-lo a adotar meus medos como seus.
- Nossa! Você não sabe nada sobre o medo – Concluiu.
- Sei muito. – Respondi baixinho.

O medo sempre esteve comigo, descobri na terapia.
Desde sempre.
Na janela esperando.
Na solidão das decisões.
Naquilo que não posso controlar.
E no que acho que controlo, mas não é verdade.
No que depende do outro.
E no que penso que depende de mim.
Ele está comigo o tempo todo.
Sei quando ele está chegando.
E algumas técnicas para se afastar um pouco.
Conheço seus mecanismos de dominação.
E suas fragilidades.
Tento diariamente que ele não me paralise.
Busco não deixar que domine minha vida.
Muitas vezes não é possível.
E sigo... temendo e enfrentando.
Enfrentando e recuando.
Esperando que as incertezas da maturidade deixe a vida mais leve.
Ana Guabiraba.

sábado, 21 de julho de 2018

Tudo e não necessariamente nessa ordem

Terminar a reforma da casa. 
E viver nessa casa com minha família, por um tempo maior que nas outras, para costurar memórias.
Ficar mais tempo em casa, curtindo as brincadeiras com minhas cachorras e com as crianças, fazendo comidas gostosas, crochetando tapetes, inventando modas.

Trabalhar em projetos de impacto social e manter o voluntariado.
Experimentar novas funções no trabalho.
Não sei como (ainda) mas ganhar melhor seria bom, para passar menos aperto.
Expandir as criações do meu empreendimento com um site, novas linhas de produtos e atendimento personalizado ao cliente.

Ter um canal no YouTube para partilhar ideias sobre educação, maternidade, feminismo, infância, Arte, Artesanato e tudo o mais que me der na telha.
Melhorar minha comunicação em casa com as pessoas que mais amo.

Conhecer melhor o Brasil e também outros países. Viajar a dois e em família. Tentar coisas curiosas como ir a uma praia de nudismo. 
Nos roteiros penso em Índia, China, Capitólio, México, Chapada, Disney, Espanha, Chile, Marrocos... Sou mesmo eclética.

Dormir melhor. 
Exercitar meu corpo regularmente através de uma atividade física. Comprar uma bicicleta e andar por aí, vários quilômetros. 
Ter uma alimentação mais saudável e completar minha transição para o vegetarianismo.

Manter lindas unhas nas mãos, pintadas semanalmente. 
Colorir os cabelos sempre que possível com todas as cores do arco íris, uma de cada vez. 
Cobrir minha tatuagem com outra maior e mais significativa. 
Fazer um ensaio fotográfico.

Cuidar com maior regularidade da minha espiritualidade e da minha saúde; e ensinar meu filhos como é precioso fazer isso.
Estar menos no futuro. E menos no mundo da lua. Treinar o foco.

Revelar as fotos dos últimos tempos e ter tempo para fazer scrapbooks com elas. Reformar a máquina de costura de 1920 da minha avó e costurar, como ela fazia. Cuidar das plantas de casa e encher ainda mais a casa de plantas.

Fazer mestrado. Ou continuar estudando. 
Aprofundar os conhecimentos em Cosmetologia Natural e Aromaterapia. 
Ler todos os livros que estão na cabeceira me aguardando há anos e publicar livros. Continuar lendo para meus filhos antes de dormir.
Aprender italiano.

Ir a um show do Bon Jovi com meu amor. Sair mais para cinemas, exposições,  jantares românticos, passeios na Paulista à noite, peças de teatro na Roosevelt e outros programas que adoramos fazer juntos. Fazer muito amor. E também muitos novos planos. Beijar e beijar e beijar. Abraços e carinhos.

Encontrar sempre os amigos. Fazer visitas e receber visitas, festas e todo o tipo de encontro onde eles possam estar. Conversar, trocar ideias, rir, falar bobagens, essas coisas que só os amigos sabem como é.
Bater pernas com minha mãe e minha irmã para todos os cantos, enquanto falamos da vida. Continuarmos unidas.

Ver meus filhos crescerem felizes. E eles me verem feliz também.
Ter tempo para a gente ser quem se é, juntos.
Amar mais e melhor. 


Daniela Bonafé



sexta-feira, 20 de julho de 2018

Para ticar.


O fazer.
O inédito.
Ou o não costumas.

O sozinho.
O compartilhado com poucos.
O compartilhado com muitos.

O desafiante.
O que até então era medo.
O que era receio.

O corpo.

Coluna ereta,
Postura de meditação,
30 minutos,
Sem envergar a espinha.

Mão no chão.
Cabeça no joelho.
Pernas esticadas.
Levanta.

Devagar e sempre,
15 quilômetros,
Pé ante pé,
Respirando e conversando.

A Mente, o pensamento, o saber

Desacelerar.
Respirar.
Tentar domar os pensamentos.
Deixar a mente perambular.
Adotar um mantra.

Falar outra língua.
Vivenciar outro idioma.
Alterar a organização do pensamento.
Mudar de lógica.

Conhecer
Templos.
Terreiros.
Igrejas.
Retiros.

Participar de congressos.
Grupos de estudos.
Clubes de leitura.
Cineclubes.

Violão.
Cerâmica.
Astrologia.
Doces.
Maquiagem.

Conhecer

Teatro Oficina.
Teatro Amazonas.
Sala São Paulo.
Centro de Tradições Nordestinas.

Todos os estados.
Países da América Latina.
Os 5 continentes.
A costa brasileira.
Os picos.
As planícies.

Acessar outras formas de
Estar no mundo.
Viver.
Sentir.
Amar.

Estar

No mar aberto.
No alto, muito alto.
Na caverna lá embaixo.
No silêncio absoluto.
Confundida na multidão.

Na grama.
Na terra.
Na areia.
Na água doce.
Na água salgada.

No Mar Mediterrâneo.
Nas pirâmides do Egito e do México.
No rio São Francisco.
Na Serra da Capivara.
Em Fernando de Noronha.

Com os amigos:
Falando, bebendo, cantando, rindo e chorando.
Com a mãe flanando por aí.
Com a família compartilhando.
Com meus pequenos, que se tornarão grandes:
Sendo, ensinando e aprendendo.
Com o amor, assim, de mãos dadas, para todo canto.

Ana Guabiraba

Desejos em lista


     Com frequência, começo a semana com uma lista; umas férias também. Uma lista de desejos daquilo que quero concretizar. Acredito no poder das listas, tenho a sensação de que só de colocar no papel, caminhamos metade do caminho em direção à realização do que está ali registrado. Começo sempre com o imperativo: ser feliz!

     Pensar numa lista para a outra metade da vida não é uma tarefa muito fácil, não por falta de desejos, mas talvez pela dificuldade em enumerar coisas concretas, mas vamos lá!

Ser feliz!
Seguir com meu companheiro a trajetória da vida
Ser amiga de meu/minha filho/a
Plantar uma árvore e acompanhar seu crescimento
Publicar um livro
Viajar muito
Fazer a viagem da minha vida
Ler livros na mesma perspectiva e ritmo que lia antes de iniciar a faculdade
Continuar estudando
Assistir a muitos espetáculos e filmes
Estar rodeada de amigxs
Realizar uma festa de arromba para celebrar pelo menos um de meus aniversários que virão
Sempre reconhecer o sentido do meu trabalho
Conhecer gentes e histórias
Marcar cafés e encontros com amigxs
Ser surpreendida com as belezas da vida
Ter boa saúde
Dançar
Aprender a tocar violão
Aprender a costurar
Produzir algo com as minhas mãos
Realizar um trabalho voluntário
Organizar as fotografias da minha vida
Quitar dívidas e empréstimos antes de chegar a outra metade da vida rsrsrs

Sandra Bouças

Entre a Terra e o Mar.





É assim.
No simples.
No quase nada.
A gente junto.
Vivendo devagar.


Ana Guabiraba

Essencialidades da Vida


Vou tendo a sensação de que pensar sobre o que é essencial, distancia-nos das essencialidades da vida, talvez porque seja difícil definir e buscar tal definição, talvez porque restringir em palavras torne tudo artificial ou superficial; talvez porque o que é essencial mesmo será apenas sentido e não explicado... De toda forma, penso que o que é essencial hoje para mim, nem passava pela minha cabeça nos anos incríveis da minha infância e não sei se pautarei exatamente o mesmo no futuro. Neste momento, definiria a essencialidade como tudo aquilo que vivemos e que fica, de alguma forma, impregnado na gente, caracterizando-nos em gostos, cheiros, jeitos, vistas da vida e de nós. Talvez a essencialidade não seja marcada apenas pelo que é bom e positivo, mas é assim que a vejo nesta fase da vida; acho até que chamaria de essencial tudo aquilo que quisesse eternizar e, por esta razão, esta será a minha escolha: relatar um momento que vivi há pouco tempo para eternizar, pois foi o desejo que senti naquele momento... Segurar com as minhas mãos...
Era mais uma noite que se iniciava em minha vida após um longo dia de trabalho, daqueles bem cansativos mesmo. Não tinha nem conseguido jantar, saí do trabalho com as energias quase no fim, até um pouco desanimada com o curso das coisas. Um pouco antes de chegar em casa, toca meu celular e sou surpreendida pela voz de meu filho Teo de sete anos no outro lado da linha. Perguntava onde eu estava e, de fato, estava chegando, a menos de dois quilômetros de casa. Em seguida, ele me pergunta se eu desejava contemplar a noite com ele e com a minha filha Sofia de cinco anos.  Foi uma pergunta tão poética que não podia perder a oportunidade de experimentar onde tudo isso daria, ele me informou que já estava tudo pronto: esteira, livros e almofadas no quintal sob a linda lua que se apresentava. Foi quando me dei conta de que a noite estava realmente aconchegante, parecia uma noite quente de verão, mas era outono mesmo. Não podia recusar, era o convite da minha vida. Morria de fome e cansaço, mas tudo isso devia esperar.
Ao chegar em casa e perceber o cenário que prepararam sem a ajuda de um adulto, meu querido companheiro e brilhante pai estava desmaiado no sofá, fiquei entusiasmada no sentido literal da palavra: eu sentia Deus dentro de mim... Ao deitar naquela esteira junto com aquelas crianças, fui capaz de sentir uma sensação de plenitude tamanha que não pude mensurar, desejei parar o tempo, sentir aquilo tudo para sempre; a lua e a noite eram nossas, era um momento essencial de nossas vidas: contemplávamos a noite, a vida que passava e a partilha do que éramos. Fui buscar um prato de comida, descascamos e chupamos umas sete mexericas, conversamos e rimos muito à luz do luar.

Sandra Bouças